sexta-feira, novembro 28, 2003

A merda unânime

O sempre irreverente Miguel Sousa Tavares escreve hoje no Público uma longa crónica sobre o mais recente delírio que o inimitável Pedro Santana Lopes reservou para a zona de Alcântara: um projecto imobiliário megalómano com a marca desse autêntico livre-trânsito para o unanimismo bem pensante que é Siza Vieira.

Até mesmo um pobre algarvio como eu, forçadamente emigrado na capital, sente um arrepio na espinha quando ouve falar de um conjunto de três torres de habitação e escritórios com alturas superiores à Ponte 25 de Abril em plena zona ribeirinha. Será mais uma barreira entre a cidade e o rio. Uma barreira que não é apenas física, mas sobretudo social. Nas traseiras das torres, sem vista para o rio, fica o bom povo de Lisboa enquanto que, na frente ribeirinha, com o estuário a seus pés, os remediados terão o usofruto de um dos mais fantásticos cenários naturais que temos por cá.

Antes que seja tarde. Antes que mais um monstro sagrado da cultura portuguesa faça merda, é bom que o povo sereno de Lisboa (incluindo os imigrantes, como eu) se revolte porque, como diz MST:

"Quero antes a calma que agora existe, a vista do Tejo e os seus habitantes de todos os dias: os pescadores de tainhas sujas, os sócios do Atlético Clube de Portugal, os putos patinadores e os pais ciclistas da beira-rio e os velhos bêbados que contam histórias sem nexo nas tascas de Alcântara. Esses são os cidadãos, esses são os lisboetas, essa é a cidadania."

Bem dito!

P.S. Ainda se recordam do outro lunático que queria fazer um elevador panorâmico no Castelo de S. Jorge? Isto é bem pior!

quarta-feira, novembro 26, 2003

A regata...

E os espanhóis lá ganharam a Taça da América...

É certo que em Portugal temos todos a mania das vitórias morais, mas desta vez é justo elogiar quem se empenhou por um projecto com pés e cabeça.

Parabéns aos vencidos!!!

sexta-feira, novembro 21, 2003

Dúvidas metódicas & conflitos de interesses

Há aí um moço que, até há pouco tempo, foi simultaneamente vice-presidente do Infarmed (Instituto da Farmácia e do Medicamento), proprietário de uma farmácia e director-geral da Codifar (uma das maiores cooperativas de distribuição de medicamentos aqui no burgo e um dos braços tentaculares da toda poderosa ANF - Associação Nacional de Farmácias)...
Conflito de interesses? Permeabilidade ao lobby das farmácias? Não! Isso é coisa que não passou pela cabeça de ninguém.

Só mais de um ano após ter sido nomeado para o cargo de vice-presidente do mais importante organismo regulador no sector da Saúde em Portugal, é que o IGAP - Inspecção Geral da Administração Pública "obrigou" o senhor a dimitir-se.

Parece que no Ministério da Saúde ainda há algumas dúvidas quanto à legitimidade das conclusões do parecer do IGAP... Tenham dó!!!

quinta-feira, novembro 20, 2003

A desconstrução

Que os portugueses têm queda para a construção cívil já todos sabemos... Feitos como a ponte de Entre-os-Rios, o túnel do Terreiro do Paço, a ponte pedonal do IC-19, os traçados do IP-5 e do IP-3 demonstram as qualidades dos nossos projectos e a competência dos técnicos nacionais.

A grande novidade dos últimos tempos foi a especialização nos trabalhos executados em estádios de futebol. Em pouco menos de dois anos construímos dez. É obra!

Mas o que é realmente surpreendente é que, em poucos minutos, um grupo de jovens tenha destruído os balneários de um estádio francês... É mais um nicho de mercado a explorar no mercado externo.

Estejam atentos aos nossos rapazes!

quarta-feira, novembro 19, 2003

As dúvidas de Pacheco

No seu espantoso Abrupto (não me canso de o repetir), o camarada Pacheco Pereira começa a denotar algum desalento face aos resultados cada vez mais trágicos da aventura iraquiana. Se não vejamos:

"Nota-se, cada dia que passa, um maior esmorecimento na defesa da intervenção no Iraque. É natural, tudo o que podia correr mal, parece correr mal. Não se vêem os resultados esperados, o descrédito que caiu sobre as administrações americana e inglesa por causa das armas de destruição massiva (e por contágio, sobre todos os que, como eu, lhe atribuíram um papel fundamental na legitimação da intervenção) limita a sua acção, é cada vez maior o cansaço e hostilidade da opinião pública, a sensação crescente de um beco sem saída, a hesitação que se nota com a combinação entre o número de mortos e as manobras eleitorais americanas, tudo parece apontar para um falhanço de consequências devastadoras para este início do século".

Mas, não se pense que o homem se rendeu à evidência! Mais à frente o eterno "enfant terrible" do PSD refere que "a única coisa que posso (e podemos) fazer é continuar a discutir e a defender as razões porque é preciso perseverar e não dar sinais de hesitação, ou melhor, não hesitar".

Este é mais um sinal do impasse da divina intervenção americana naquela região.

Quando o Bush já fala em entregar o poder aos iraquianos no mais curto espaço de tempo possível, quando há países que começam a planear a retirada dos seus homens da pátria de Saddam, quando a Casa Branca começa a temer uma derrota eleitoral, quando a anarquia reina temos que chegar a uma óbvia conclusão: o final do primeiro capítulo desta triste rapsódia aproxima-se.

E, quando acordarmos para fazer o balanço desta trapalhada, vamos decerto concordar que, afinal, tudo ficou pior do que estava e que àquela parte do mundo está reservado este trágico destino de viver a ferro e fogo.

E o Irão, ali ao lado, vai esperando calmamente pelo evoluir da situação...

terça-feira, novembro 18, 2003

Improvisações II

Agora os altos comandos da GNR descobriram que, afinal, os jornalistas são um problema logístico complicado... Isto, depois de os terem metido no mesmo avião em que seguiu o afamado Subagrupamento Alfa e de os terem transportado até Nassíria.

Com a excepção de quatro felizardos, a quem estará garantida protecção militar, todos os restantes ficarão por sua conta e risco numa situação que só tendência para piorar.

Do ponto de vista organizativo é uma decisão compreensível e bastante racional. O que não se consegue entender muito bem é o momento e o local escolhidos para a publicitar: ontem, em pleno teatro de guerra...

Isto é: primeiro leva-se uma horda de repórteres para garantir a propaganda oficial e depois, para evitar que algumas misérias comecem a aparecer quotidianamente nos ecrãs, mandam-se os tipos de volta à proveniência. Esperteza saloia!

Tudo isto faz lembrar o triste destino do Corpo Expedicionário Português na Primeira Grande Guerra.

Oxalá esteja errado!!!

domingo, novembro 16, 2003

Improvisações

Esta história do envio de soldados da GNR para o Iraque reflecte muito da nossa querida e amada idiossincracia.

Primeiro, foi a escolha peregrina da GNR para evitar o mais que óbvio veto presidencial. Depois, foi toda aquela paródia do equipamento militar. Não tínhamos (e, pelos vistos, ainda não temos) nem armas nem viaturas adequadas para operar no deserto iraquiano. A seguir, foram os sucessivos adiamentos que, por este e por aquele motivo, atrasaram em alguns meses a saída dos nossos heróis. Finalmente, quando tudo parecia estar arrancar, o quartel general dos Carabinieri italianos foi pelos ares...

Mas, apesar de tudo, os valentes homens seguiram num avião da Air Luxor para o Koweit conjuntamente com um grupo de jornalistas destemidos. Tão destemidos que mal entraram no Iraque, sem qualquer protecção militar, foram atacados e um deles sequestrado... E a coisa até poderia ter sido muito mais feia.

O que tudo isto revela é algum amadorismo e muito desenrascanço que pode ser ilustrado pelo seguinte episódio. Na manhã da saída para o Iraque a TSF entrevistou uma das quatro mulheres que integram o contigente e que têm por missão revistar as iraquianas. Quando o repórter lhe perguntou se sabia algumas palavras em árabe, a nossa "bem preparada" soldada respondeu que não. O que é que andaram a fazer durante estes meses? Se nem um mísero e mais que óbvio "Salãm Aleikom" sabem pronunciar...

Durão parece que não se apercebeu como toda esta palhaçada, que começou com a triste Cimeira dos Açores, pode vir a ter um preço muito caro na sua carreira política... A prova que não entendeu mesmo nada, é que colocou a responsabilidade da organização de uma missão tão sensível como esta nas mãos do mesmo incompetente que esteve à frente do combate aos incêndios do Verão.

Aproximam-se tempos muito complicados!

quarta-feira, novembro 12, 2003

O General no seu labirinto

"O general (...) foi abalado pela revelação deslumbrante de que a louca corrida entre os seus males e os seus sonhos chegava naquele instante à meta final. O resto eram as trevas.
- Raios - suspirou - Como vou sair deste labirinto!?"

Em "O General e o seu labirinto" de Gabriel Garcia Márquez.

terça-feira, novembro 11, 2003

O dilema...

Parece ser hoje consensual que Ferro Rodrigues se equivocou em toda a linha no papel que assumiu nesta embrulhada da Casa Pia. Esta noite, ao ver a tímida prestação do líder do P.S. na televisão, questionei-me sobre qual poderia ter sido, de facto, o comportamento verdadeiramente correcto de Ferro nestes últimos tempos?

Imaginemos que, em vez de se ter solidarizado activamente e emotivamente com Paulo Pedroso, Ferro Rodrigues tivesse protagonizado um comportamento menos apaixonado e mais cerebral. Sem críticas ao aparelho judiciário, sem farpas ao sistema mediático e sem a mania das cabalas...

Se tal hipótese tivesse sucedido, hoje os mesmos que o criticam por se ter envolvido demasiado, estariam, por certo, a atacá-lo por ter deixado cair um amigo, por falta de solidariedade humana e política com um camarada seu...

É um facto que o ainda Secretário Geral do PS deu uns valentes tiros nos pés. Uma autêntica rajada! É verdade que houve alturas em que a histeria e a fobia da perseguição dominaram as mentes da liderança socialista, mas vendo as coisas com alguma distância, parece ser legítimo perguntar: Quem não teria agido da mesma forma?

Alguém acredita que Durão Barroso, Paulo Portas, Carlos Carvalhas ou Francisco Loução teriam tido, numa situação idêntica, um desempenho diferente? E Mário Soares? E, até mesmo, o todo desesperante Sampaio?

É este o grande dilema de Ferro Rodrigues... Qualquer que seja a atitude a tomar ela é sempre errada, despropositada e excessiva. É o homem errado no local errado à hora errada.

Entretanto, os chacais e abutres costumeiros aguardam, pacientemente, que o anunciado fim chegue.

Às vezes é preciso ter azar...

segunda-feira, novembro 10, 2003

O progresso chegou...

Que rico país este...
10 estádios de futebol novinhos,
4 linhas de TGV,
milhares de hectares ardidos,
uma dezena de vip's no chilindró e
uma carrada de comentadores na TV
...Eis o Portugal moderno.

quinta-feira, novembro 06, 2003

O Homem acordou...

Finalmente houve alguém que teve a coragem de dizer aos "nuestros hermanos" algumas verdades sobre as relações luso-espanholas.

E a surpresa é dupla! Primeiro porque este alerta veio de um político e, segundo, porque esse político se chama Jorge Sampaio. É verdade! O nosso amado e estimado P.R. saiu da casca e foi à capital do Império de Castela reclamar contra o proteccionismo espanhol.

Segundo o "Público" o destemido inquilino de Belém terá afirmado que "ao contrário do que ocorre em Portugal, onde diversas empresas espanholas têm acedido com sucesso a relevantes concursos públicos, designadamente no quadro de realização de grandes infra-estruturas, surpreende-me que nenhum contrato significativo tenha sido obtido por empresas portuguesas, em igual sector, apesar do extenso número de candidaturas e da sua reconhecida qualidade e solidez de oferta".

Não é caso para cairmos em nacionalismos bacocos e anti-espanholismos primários, mas num tempo em que temos engolido muitos sapos, é bom elogiar a clareza das palavras do Presidente.

Pena é que, noutras matérias, Sua Excelência não assuma este saudável comportamento...

segunda-feira, novembro 03, 2003

Nostalgia de Goa

" De português sobram as velhas igrejas quinhentistas, os nomes improváveis das ruas e pessoas, uma língua moribunda, os passeios de calçada em ruínas e a nostalgia do império. Goa é um pedaço de nós à deriva num país-continente. Ou então, os campos de arroz e coqueirais até perder de vista, o perfume das papaieiras, o calor húmido do Índico e a epifania do céu"

É deste modo que Tiago Salazar começa mais um fabuloso artigo desse autêntico objecto de culto de nome "Blue Travel" (edição de Novembro). É um olhar fascinado sobre uma terra improvável. Goa é um sítio que desperta em qualquer simples mortal um fascínio sem fim. Azul e penetrante como o Índico. Intenso como as monções.

Goa, como Moçambique, são lugares abençoados onde conseguimos encontrar o melhor de nós. Aquilo que, por muito que tentemos, nunca conseguimos ser enquanto estamos por cá.

E, para perceber como Goa é diferente de tudo o que existe no mundo, não há melhor receita do que lá chegar vindo da outra Índia. A sempre enigmática e surpreendente Índia. Só nesse momento, chegados de Bombaim, se entende a singularidade e magia da "nossa" Índia.

P.S. Recomendam-se, entre muitos, dois livros: "Um Estranho em Goa" de José Eduardo Agualusa e o extraordinário "Goa, a história de um encontro" de Catarina Portas e Inês Gonçalves.

As bodas...

Este fim de semana trouxe-nos muitas notícias excitantes.

Na mesma altura em que a Casa Real Espanhola anunciava oficialmente que o Príncipe das Astúrias vai casar, a primeira página do vetusto "Expresso" tornava público outro caso amoroso: a toda colunável Cinha Jardim terá acompanhado Paulo Portas numa viagem privada aos Estados Unidos.

Agora, a vasta Ibéria está finalmente em paz...

sábado, novembro 01, 2003

A mediocridade, por MEC

Hoje, por acaso, voltei a folhear o lendário livro de Miguel Esteves Cardoso "A Causa das Coisas". Se bem se recordam, o dito livro é o resultado da compilação das fabulosas crónicas publicadas no "Expresso" na excitante década de oitenta.

O livro, a personagem de MEC, os Heróis do Mar, os primeiros tempos de "O Independente", o revolucionário "Blitz" foram o referencial para toda uma geração que teve a veleidade e a ingenuidade de pensar que, afinal, Portugal era possível.

Terá sido um dos poucos momentos em que neste país se sentiu uma certa consciência de geração. Mas, isso são tempos que já lá vão...

Hoje, tal como aconteceu no século XIX com a Geração de Setenta, estamos todos aburguesados, amargos e vencidos pela vidinha que vamos vivendo. E, como então, o país vai-se afundando no pântano da mediocridade.

Estas doutas reflexões resultam, pois, da leitura revista e actualizada de uma das crónicas de MEC sobre a mediocridade. Começa assim:

" Um português só faz o que deve, e só dá o seu melhor desde que todos os outros o façam também. Uma maioria não basta. Só satisfaz a unanimidade. Se assim não acontecer, afere o seu comportamento pelo comportamento dos piores. Em qualquer situação que exija um esforço colectivo, a nivelação individual é invariavelmente feita segundo o esforço mais baixo. É por isso que os resultados são tão rascas".

Lapidar!

P.S. O MEC continua vivinho da Silva em http://www.pastilhas.com. Recomenda-se.